As ONG e a ação humanitária no caso do ciclone Idai

Abstract

A presente dissertação centra-se na análise do papel das Organizações Não-Governamentais (ONG) em crises humanitárias e na relação que as mesmas estabelecem com os Estados dos países onde intervêm. O tema revela-se relevante face ao aumento de catástrofes naturais e à crescente dificuldade dos Estados em garantir a resposta adequada. Através do caso de estudo do ciclone Idai, que devastou a região centro de Moçambique em 2019, procura-se compreender se as ONG atuam como agentes complementares ou substitutos do Estado em contextos de emergência. Partindo da premissa de que, em teoria, o Estado é o principal responsável pela proteção e pela assistência rápida e eficaz à sua população, esta investigação irá aprofundar os limites da sua atuação e o papel desempenhado pelas entidades não-estatais. O trabalho desenvolvido baseia-se numa metodologia qualitativa, recorrendo à análise documental e à realização de dez entrevistas semiestruturadas com representantes de três ONG – Cáritas Portuguesa e Moçambicana, AMI e Médicos Sem Fronteiras. As entrevistas revelaram não só a importância da articulação com o Estado moçambicano como destacaram entraves logísticos, burocráticos, interferências políticas e uma dependência que se prolonga até aos dias de hoje, em relação à ajuda externa. Os resultados demonstram que, apesar da entrada das ONG depender da autorização do Estado, estas acabam por ocupar um papel central na assistência imediata e na recuperação pós-crise, sendo de facto uma substituição daquele que deveria ser o ator principal. Tal constatação levanta questões importantes sobre soberania, dependência prolongada da ajuda externa de ONG e quais as obrigações do Estado perante as populações afetadas.

This dissertation focuses on analyzing the role of Non-Governmental Organizations (NGOs) in humanitarian crises and the relationship they establish with the states of the countries where they intervene. The topic is relevant due to the increase in natural disasters and the growing difficulty for states to guarantee an adequate response. Through the case study of Cyclone Idai, which devastated Mozambique in 2019, we seek to understand whether NGOs act as complements or substitutes for the state in emergency contexts. Starting from the premise that, in theory, the state is primarily responsible for protecting and providing rapid and effective assistance to its population, this research will delve into the limits of its action and the role played by non-state entities. The work carried out is based on a qualitative methodology, using documentary analysis and ten semi-structured interviews with representatives of three NGOs - Cáritas Portuguesa and Moçambicana, AMI, and Médecins Sans Frontières. The interviews revealed not only the importance of coordination with the Mozambican state but also logistical and bureaucratic obstacles, political interference, and a continued dependence on foreign aid. The results show that although the entry of NGOs depends on state authorization, they ultimately play a central role in immediate assistance and post-crisis recovery, effectively replacing the state, which should be the primary actor. This raises important questions about sovereignty, long-term dependence on foreign aid from NGOs, and state's obligations towards affected populations.